Casa Mágica abriga sonhos
e conquistas
Por Nathalia Barboza
Era uma vez uma garotinha que sonhava em ser médica e mudar sua própria vida. Mas era uma vez também a Passos Mágicos, cujo maior empenho é realizar sonhos por meio da educação. Juntos, sonhadora e realizadores geraram uma solução inovadora capaz de virar a mesa não só da história da menina, mas também a de muita gente como ela.
Qual é o nome disso? É Casa Mágica. Na verdade, é um apartamento. Mas o que interessa mesmo é ver como esse espaço físico exclusivo para estudantes selecionados da Associação eleva o patamar de atuação da Passos Mágicos. Além das bolsas, quem é selecionado recebe moradia, alimentação, transporte, material escolar, uniforme, internet. Tudo o que for necessário é compartilhado. Todas as despesas são pagas pela Passos com recursos arrecadados junto aos padrinhos.
A iniciativa é tão inovadora que, no fundo, poderia também ser chamada de “Casa foguete“. Trata-se de uma plataforma impulsionadora das potencialidades das crianças; um endereço em São Paulo para abrigar estudantes com total apoio financeiro, material e afetivo para que façam apenas uma coisa: estudem para conquistar seus objetivos de vida.
O primeiro passo
Tudo começou com a aluna Bruna Ramos da Silva, hoje com 16 anos de idade. Garota esperta, muito inteligente, corajosa, ela ousou um dia sonhar em cursar Medicina. Em 2019, Bruna havia sido bolsista da Passos na Escola União, deixando para trás muitos anos de frequência na Escola Estadual João Ortiz Rodrigues, no Filipinho, periferia de Embu-Guaçu. Ao longo da breve jornada no 9º ano do Ensino
Fundamental na União, ela encantava os educadores com sua capacidade intelectual diferenciada e com o interesse constante em evoluir rápido nos estudos.
No final daquele ano, em uma roda de conversa, Bruna contou que desejava ser médica. A informação foi passada adiante e mobilizou a Passos em busca da solução que, afinal, gerou a ideia da Casa. A missão era viabilizar de alguma forma o caminho da estudante até a escola.
A gana de ajudar só aumentava. A resposta veio logo no mês seguinte: “Recebi um telefonema da tia Michelle falando da proposta de ir para uma escola técnica voltada à área de saúde”, revela Bruna.
Era o sistema de ensino do Hospital Albert Einstein. Por meio de seus contatos, a Passos conseguiu três bolsas de estudo para o Ensino Médio e Técnico de Enfermagem. Mas as meninas de Embu-Guaçu deveriam frequentar a unidade situada em pleno centro nervoso de São Paulo.
Até então, cursar a faculdade mais desejada dos vestibulandos parecia inatingível financeiramente para as estudantes, que nasceram em famílias de baixa renda na zona rural de Embu-Guaçu.
E, mesmo que recebessem uma bolsa integral, como fazer para ir e vir todo dia do Filipinho? De carro, a jornada já seria exaustiva demais. De ônibus, então, a missão era fisicamente insuportável. Para se ter uma ideia, de Embu-Guaçu à avenida Paulista, onde fica a unidade do Einstein, são pelo menos 50 km de distância. No transporte público, uma viagem assim leva de 2 a 3 horas, só de ida.
A distância física entre esses dois pontos é só um dos obstáculos até o curso de Enfermagem. Sem uma base educacional de alto nível – o que ainda hoje só é possível ter fora do seu município natal, competir no vestibular seria muito mais duro, mesmo para um estudante nota 10. Outra barreira: a prova do processo seletivo aconteceria já no dia seguinte, sem tempo para estudar, se preparar ou absorver a ideia.
Em menos de um mês, Ana Carolina saiu da condição de bolsista do União para a sala de aula do colégio, passando pela seleção, aprovação, dinâmica de acolhimento e início das aulas. A situação exigia uma ação de emergência. “Eu, minha mãe e a Bruna fomos morar na casa do tio Dimitri e da tia Michelle [na região de Guarapiranga, zona sul de São Paulo]. Ele levava e buscava a gente todo dia na Paulista, até aprendermos a ir sozinhas para a escola, de metrô e ônibus.”
Os pais consentiram a mudança das filhas. Mais do que isso, a diarista Eliete Bispo de Oliveira, que é mãe da Ana Carolina, foi junto para cuidar delas. A solução provisória durou quase três meses, até a chegada da pandemia. Era preciso acomodar as meninas em outro lugar.
Com o consentimento dos pais, Bruna fez a prova e passou. E não só ela. Ana Carolina Bispo também foi aprovada. “Foi um deslumbre. Sair de uma situação na qual elas viviam, de muita carência, e conseguirem, foi demais”, comemora Tetê.
Ana Carolina Bispo também estudava no União, mas morava na zona rural e andava a pé 2,5 km para chegar a Embu-Guaçu. “Um dia, o tio Dimitri chegou em casa perguntando se eu topava frequentar o Einstein. Respondi: vamos! Por que não?”, conta a menina.
A maior tia do Guarapiranga
Quem abriu as portas foi Marta Kulniski, que trabalha na Oscar Flues e é voluntária da Passos Mágicos. Ela havia perdido os pais e passava a semana longe de casa, cuidando da dona Irene, mãe da Michelle. Seu apartamento fica bem perto da empresa e, num café da manhã, recebeu o pedido direto de Dimitri.
“Ele perguntou se eu não poderia emprestar o local para as meninas. Respondi na hora que sim. E deu super certo. Da proposta inicial de ficarem uma semana, elas permaneceram lá por quase quatro meses”, revela Marta, que se tornou próxima das meninas e virou “a tia” de todas elas.
Hoje já são três apartamentos no mesmo prédio. O primeiro abriga as 5 meninas que estão no Ensino Médio do Einstein. O segundo, três alunas do técnico e o outro tem três universitárias. E este é outro capítulo dessa história, que vem ampliando as opções de parcerias com entidades, o que dá muito mais opções de cursos para os alunos Passos. A melhor aluna de 2021, por exemplo, quer fazer Economia na Fundação Getúlio Vargas; ela ganhou a bolsa do CPV da Vila Olímpia e já tem a promessa de outra para a FGV garantida – claro, se passar no vestibular.
A “casa foguete” também tem vaga para a bolsista do Poliedro, que fica na Vila Mariana, e quer cursar Engenharia no ITA (Instituto de Tecnologia Aeroespacial).
Eliete faz as vezes de “mãe” das 11 garotas. “Sem forçar muito a barra, tento fazer as coisas como se fosse na minha casa”, garante. Fácil, nem sempre é. “Sem forçar muito
A rotina de acompanhar a adaptação das estudantes se manteve, sempre com a ajuda zelosa de Eliete.
Já no final de 2020, um problema típico de edifícios acabou permitindo descobrir que o apartamento do andar de cima estava disponível. Além de garantir alguma segurança pela proximidade com os fundadores da Passos, o timing de fim de ano era perfeito para alugar a nova unidade, porque quatro outras meninas chegariam no começo de 2021. Era portanto, preciso mais espaço.
E assim a Casa Mágica foi crescendo. Eliete cuida da alimentação, da roupa e da segurança de todas as meninas. Os apartamentos não admitem visitas, com exceção do pai ou da mãe das garotas, e não têm televisão. A regra é ir dormir às 22h. “São meninas hiper esforçadas, batalhadoras. Elas estudam o tempo todo”, admite Marta. “A gente crê estar plantando uma sementinha de uma árvore muito firme”, orgulha-se.
Tem de ‘ralar’
Além da concordar com a mudança, o envolvimento da família no processo é fundamental para incentivar meninas tão novas a confiarem em si mesmas e a enfrentarem as dificuldades de tamanha mudança. “No começo, foi muito difícil, porque tenho uma irmã mais nova que dividia o quarto comigo. A gente era muito ligada. Com a minha mãe também; ela só aceitou porque sabia que este era o meu sonho”, diz Bruna.
Segundo ela, o começo foi assustador. “Uma mistura de emoção e tensão. São Paulo é muito diferente de Embu. Estava preocupada com a minha família e se eu conseguiria dar conta da nova rotina”, admite.
Ela divide o quarto com Ana Carolina, dona Eliete e mais duas meninas. O outro cômodo é ocupado por mais quatro garotas.
“Amo São Paulo, mas gosto de voltar para casa porque posso ver minha vó e o meu pai”, assume Ana Carolina Bispo. Ela e a mãe voltam para Embu-Guaçu às sextas-feiras. “Fico com meu esposo na sexta e no sábado; no domingo já ‘dou tchauzinho’ para ele de novo”, brinca Eliete.
Com tanta mulher à volta, a vida de filha única tinha de mudar para Ana Carolina. “Sou criteriosa, metódica e chata, acostumada com o ritmo da minha mãe. Ninguém mexia nas minhas coisas. Aqui tenho de dividir espaço e lidar com as mudanças de humor. Mas a gente se acostuma”, pondera. “É legal para crescer. Todas nós criamos um senso de responsabilidade muito grande. Estamos sendo treinadas para lidar com a divergência, com pessoas diferentes o tempo todo”, completa.
A pressão é grande. “Não cheguei a entrar de recuperação, mas a dificuldade estava lá. Tive que ‘ralar’ muito para estabilizar minhas notas”, conta ela. “Foi uma experiência horrível. Nunca tinha tido Sociologia e tirei uma nota 5… Foi minha primeira nota vermelha, e eu só chorava. Mas estudei demais e cheguei no 10, pedindo ajuda ao tio Dimitri. Ele me colocou em contato com um sociólogo, que me ajudou muito”, conta.
“Acredito que todos os obstáculos que passei moldaram o que sou hoje. Encarei tudo como um amadurecimento”, confessa Bruna.
Embora o apartamento na Guarapiranga tenha ajudado a reduzir em cerca de uma hora o tempo no trajeto até a escola, as meninas continuam madrugando e pegam todas juntas o primeiro ônibus antes das 5h30. Para a maioria, é de lá para Santo Amaro, metrô até Chácara Klabin e, finalmente, avenida Paulista.
As aulas do Einstein começam às 7h15 e terminam às 12h50. Quando há plantão, a jornada vai até as 17h45. E o foco nos estudos não acaba antes de estudar mais e de ajudar as amigas. “A gente já passou por isso e acaba ajudando as mais novas”, diz Ana Carolina, que cursa o 3º ano do Ensino Médio.
Sonha bem alto
A Casa Mágica permite a uma criança que participa de um projeto social sonhar bem alto. Mais do que isso, o convívio entre elas traz autonomia e um imenso empoderamento. Todas elas hoje estudam em instituições de altíssimo nível, desbravam e circulam por São Paulo – até então, muitas dessas meninas nunca haviam pisado na capital, pegado metrô ou caminhado pela Paulista.
É incrível como histórias assim têm o poder de mudar a vida não só “da personagem principal”. A vida de todo mundo se transforma. “Eu transformei a minha vida. Existe a Tetê antes e a pós-Passos. Hoje eu me sinto aquela professora facilitadora que sempre quis ser. Sinceramente, [a aprovação das alunas Passos no processo do Einstein] é uma das melhores sensações que eu já vivi. É emocionante demais. Meu coração parece que vai sair pela boca, sempre que penso nessa conquista da Bruna e das outras meninas. A vitória delas é a minha vitória”, confessa.
“É impressionante a garra dessas meninas, a coragem que elas têm de assumir uma coisa muito difícil. No primeiro ano, a Bruna tinha uma pilha de livros e enfrentou tudo. É surreal viver uma experiência dessas. Encontrar alunos dentro de uma comunidade com essa bagagem é maravilhoso”, afirma Tetê.
Tudo isso não seria possível sem o apoio dos padrinhos Passos. Rodrigo Zauner, gestor de investimentos e padrinho desde 2018, bancou integralmente o aluguel da Casa por um bom tempo. “Se eu puder colaborar para que essas meninas cheias de vontade tenham um pouco de conforto, eu vou fazer”, justifica.
“É também problema meu. Isso tem a ver com o nosso senso de responsabilidade. Não sou religioso, mas acredito haver uma energia que te guia para um caminho. A Passos está mudando o patamar de uma região muito carente. Hoje a Passos atua junto às crianças. Com o tempo, isso vai ter impacto também nos pais e nas próximas gerações. É um trabalho de longo prazo”, reflete Zauner.
Eliete é exemplo disso. Ela está fazendo o primeiro curso da sua vida: de libras, na FIAP.
Essa expectativa de um futuro melhor para todos encontra abrigo no sentimento das meninas. “Quero cursar Medicina e trabalhar em cardiologia. Sou muito grata aos meus padrinhos. Acho incrível o que eles fazem. Espero de verdade que eu possa fazer o mesmo com outras meninas”, diz Ana Carolina. “Espero crescer ainda mais, entrar na faculdade e auxiliar outras crianças do projeto. Acho que este é o sonho do todo mundo da Passos: ajudar como um dia foi ajudado”, completa Bruna.
Uma das fases mais importantes da vida de um jovem, quando se fala em carreira e faculdade, é o tão temido vestibular. Após anos de preparação, finalmente seus conhecimentos são postos à prova durante esse exame.
Para apoiar os alunos na preparação, Passos Mágicos oferece o programa Vem Ser. Trata-se de um preparatório para vestibulares onde, a partir de uma agenda estabelecida, nossos alunos têm acesso a aulas específicas e simulados no padrão ENEM para testar seus conhecimentos.
Como parte do programa, os alunos possuem ainda acesso a ferramenta Imaginie, uma das maiores plataformas de aulas e correção de
redações do Brasil. A nota da redação é uma das composições mais importantes para obter um bom resultado no ENEM e em diversos vestibulares, sendo muitas vezes o divisor de águas para o ingresso na tão sonhada faculdade.
Graças à nossa parceria com a Imaginie, os alunos puderam treinar e aperfeiçoar suas habilidades com a escrita. Durante todo o ano os alunos realizaram duas redações mensais que eram corrigidas pela plataforma e permitia uma visão detalhada dos pontos a serem aprimorados.
Essa base de conhecimento foi fundamental para desenvolver a escrita dos nossos jovens. Em 2021, Gabriela Matos alcançou incríveis 960 pontos na prova, realizada em novembro do mesmo ano. Tal nota foi obtida por pouquíssimos alunos que prestaram o vestibular, sendo que a pontuação máxima de 1000 pontos foi atingida por apenas 22 alunos e a média das notas foi de 634 pontos.
Gabriela é um exemplo que com orientação, dedicação e acesso as ferramentas certas todos os sonhos são possíveis! Confira abaixo seu depoimento:
Nossos Primeiros Formandos
Em setembro de 2022 a Passos Mágicos completou 30 anos de atuação dedicada ao desenvolvimento das crianças de Embu-Guaçu. Nossa história começou em orfanatos e em 2016 nos estruturamos ainda mais para transformar vidas através da educação. Hoje possuímos 4 polos de ensino e uma equipe profissionalizada de professores, psicólogas e colaboradores que formam um time multidisciplinar. Foram anos de grandes avanços e continuamos crescendo.
Mas não é apenas a Passos que evoluiu em todos esses anos, nossos alunos também! Juntos, passamos a desbravar novos caminhos. Em 2018, Williane Costa foi nossa primeira aluna a ingressar na faculdade e realizar seu sonho de cursar Direito na Estácio.
A segunda a ingressar em uma faculdade foi Élida Coelho, em 2019, cursando Engenharia Civil na Estácio. Williane e Élida inspiraram diversos alunos, e de duas universitárias em 2019 passamos para 62 em 2022! Esse crescimento foi possível graças a dedicação dos alunos e o esforço do time Passos Mágicos.
Em 2019 firmamos parceria com o Instituto IT Mídia e a FIAP, que concederam 10 bolsas para os alunos que se destacassem. Ainda em 2019, mais 10 bolsas anuais foram concedidas pela UNISA e em 2021 2 bolsas foram concedidas pela ESPM.
Todos os dez alunos que ingressaram em 2020 para seus cursos voltados a tecnologia na FIAP se formaram no dia 10 de abril de 2022, encerrando com alegria um ciclo tão importante em suas vidas e dando início a uma nova fase no mercado de trabalho.
A formatura foi um dia muito emocionante para os alunos, familiares e para todos o time da Passos Mágicos. Dimitri Ivanoff, fundador da Associação, comentou sobre esse dia:
Confira a seguir o depoimento de um de nossos formandos: